quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Natal, São João e Astronomia


Algumas associações entre as festividades do Natal e do São João com as Estações do Ano



Cada estação do ano é um fenômeno físico (astronômico) e também um fenômeno cultural de vários povos, que é possível se conhecer através de pesquisas sobre o folclore, os mitos e as religiões de cada um deles e explicita as relações entre o Homem/sociedade e a natureza/ambiente.

O Solstício de Verão é comemorado pelos povos nórdicos por causa dos longos invernos. Não há festas populares espontâneas para a comemoração do Solstício de Verão nos países tropicais, porém o Natal e o São João são festejados na América por influência cultural européia. Tal fato ocorre provavelmente porque a maior parte do planeta só tem marcadamente duas estações do ano, o Verão e o Inverno, é o que advém nos trópicos e nas zonas polares.

As zonas temperadas do Norte e do Sul, possuem as quatro estações do ano bem diferenciadas e definidas. Daí haver quase um “determinismo geográfico” para a existência das festividades do Natal e do São João.

Nas altas latitudes da Europa, mais especificamente nos países nórdicos, e dentre eles a Finlândia, o assunto das estações do ano é muito especial. Segundo um documentário apresentado em DISCOVERY CHANNEL (1995), para os povos nórdicos que vivem na fronteira entre a zona temperada do Norte e a zona polar Ártica, o dia 21 de junho que marca aproximadamente o Solstício de Verão para o Hemisfério Norte, é um dia de festa extremamente importante, pois é “um dia de luz no qual se comemora coisas novas quando as velhas chegam ao fim”. Nesse dia deve-se “gozar a luz, mesmo sabendo que as trevas estão chegando”. Nos países nórdicos europeus, que são atravessados pelo Círculo Polar Ártico ocorre o Sol da meia-noite, no Solstício de Verão e seis meses depois a completa escuridão, por vários dias, por ocasião do Solstício de Inverno em 22 de dezembro.

Na Finlândia, no final de semana mais próximo ao Solstício de Verão, é comemorado o nascimento de São João Batista, que tradicionalmente ocorre no dia 24 de junho. Os finlandeses brindam ao Sol da meia-noite com vodka, desejando algo para o futuro. Eles acrescentaram a essa informação, vários rituais pré-cristãos de adivinhação do futuro, enquanto o cardápio das refeições festivas envolve alimentos típicos desta estação do ano. As frutas de verão , por sua vez, fazem parte dos bolos e das tortas.

Curiosamente em alguns países o Solstício de Verão é chamado de San Juan(Espanha), San Jacques (França) e San Johannes na Finlândia. Por outro lado, segundo LINHARES (1985), o dia 25 de dezembro – o Natal – é simbólico, pois esta data foi fixada pelo Papa Júlio I, no século IV, para se festejar o nascimento do “Filho de Deus feito Homem”, em substituição a festa romana pagã do Solstício, consagrada ao Sol. O dia de São João também foi fixado pela Igreja Católica para lembrar a relação estreita entre João e Jesus Cristo, pois João nasceu no Verão do Hemisfério Norte, exatamente seis meses antes de Cristo. Como João era um “iluminado”, um profeta, e como o Solstício de Verão é o dia mais longo do ano, no Hemisfério Norte, foi natural a associação entre um fenômeno astronômico e a religião, o que culminou na instituição dessa data comemorativa.

A Igreja Católica postula que João afirmou que Jesus tornar-se-ia cada vez mais luminoso, por isso a Jesus é atribuído o nascimento no Solstício de Inverno, que tem a parte clara do dia mais curta do ano e a parte escura ou noite mais longa do ano, no Hemisfério Norte. O que ocorreria a Jesus, segundo João, é exatamente o que ocorre ao Sol. Após 24 de junho (nascimento de João) o Sol fica cada vez mais baixo no céu, de maneira que os dias ficam mais curtos. Após 25 de dezembro (nascimento de Jesus) o Sol fica cada vez mais alto no céu, desta forma a parte clara dos dias ficam cada vez mais longos e as noites mais curtas, paulatinamente.

De acordo com DISCOVERY CHANNEL (1995), os dias mais escuros de dezembro são considerados como dias de renascimento para os povos nórdicos, que anseiam pelos dias mais luminosos do Verão em junho. Deve-se notar que essas datas festivas de Natal e de São João são “próximas” dos Solstícios, mas não coincidem com eles.

Acredita-se que João batizou Cristo, por isso a água é uma parte importante nesta comemoração entre os povos católicos. A água simboliza a purificação e o batismo. O fogo é o símbolo do Sol. Os finlandeses fazem fogueiras para incentivar o Sol a manter seu bom trabalho, o que se constitui em um dos mais antigos rituais remanescentes da Europa. A fogueira é um ritual oferecido ao Sol, no qual os nórdicos pedem luz e calor eternos, representando a esperança coletiva de um futuro brilhante.

Essas fogueiras eram feitas também na Inglaterra, há alguns séculos, porém eram constituídas de ossos preenchidos por poções mágicas, que ao queimar afastariam os espíritos malignos, que tinham o poder de fazer o Sol se enfraquecer.

Na Mesopotâmia, por sua vez, há uma lenda associada ao nascimento de crianças de linhagem sagrada babilônias. Essas crianças eram quase sempre concebidas em rituais de casamentos na primeira Lua Nova do ano, após o Equinócio de Primavera. Dessa forma as crianças nasciam no Solstício de Inverno, ou Nata, e se tornavam altos sacerdotes, poetas e reis e rainhas.
Considera-se que até mesmo Jesus – o Menino Divino do Natal cristão – nesta concepção foi supostamente uma criança concebida na primeira Lua Nova da Primavera, sendo metade divina e metade humana, tal quais as crianças sagradas da Babilônia e os heróis Gilgamesh da Suméria e Hércules da Grécia. Este é outro exemplo de como as religiões apropriaram-se de eventos astronômicos para seus símbolos, dentre eles as estações do ano.

No Brasil e em toda a América Latina, também há comemorações populares dos dias de São João e do Natal, que são heranças da cultura ibérica católica. Segundo ARAÚJO (19--), São João Batista, é o santo mais festejado em todo o Brasil. No interior baiano é um dia santificado e a partir do meio-dia do dia 23 iniciam-se as comemorações. São feitas fogueiras nas fazendas, sítios, bairros rurais e nas áreas urbanas. Os mercados, as feiras e as casas comerciais ficam cheios de pessoas para comprar os preparativos para a ceia deste dia, destacando-se a canjica, o bolo de São João ou "bolo de carimã com ovos", amendoim cozido e carne. Nesta festa há flores por toda parte que surgem após as chuvas de inverno que precedem o dia de São João no Agreste brasileiro. Também se tira a sorte por meio de jogos cuja finalidade é saber o futuro, em geral quanto à nupcialidade. Note as semelhanças de mitos e rituais entre as comemorações nórdicas européias, brasileiras e portuguesas, esta última, vem a seguir:

TOCANTINS (1963) afirma que no séc. XVIII, em Portugal chegou-se a utilizar um calendário com base no dia vinte e quatro de junho. Neste calendário o ano era contado de São João a São João. O banho-de-cheiro dos paraenses teve origem no costume português do banho de rio obrigatório no dia de São João, que no século XIV era comum na Europa Ocidental. A sorte, a alegria, a prosperidade, a saúde e o dinheiro, dominam o pensamento de todos na festa de São João, que simboliza o Solstício de Verão para o Hemisfério Norte e a anunciação de Jesus, após seis meses no outro Solstício.
Os estudos em Geografia deveriam abordar este assunto com mais freqüência, proporcionando uma imersão em culturas de outros países, através de lendas, superstições, festas, cardápios de comidas e bebidas feitas de frutas e vegetais típicos de cada estação do ano.

Vamos celebrar o Natal e o São João as festas irmãs mais populares do cristianismo!

Créditos de Autoria: Prof. Dr. Paulo Henrique Azevedo Sobreira | Instituto de Estudos Socioambientais | Planetário da UFG

Adaptado de:

SOBREIRA, Paulo Henrique Azevedo. Astronomia no Ensino de Geografia – análise crítica nos livros didáticos de Geografia. Dissertação de mestrado apresentada a FFLCHUSP, São Paulo, 2002a. 275p.


Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore nacional. São Paulo: Edições Melhoramentos. 3 v. 19--

DISCOVERY CHANNEL O sabor de viajar – Finlândia.Travel Channel/Discovery Channel, 1995.

LINHARES, Thelma R. S. Natal. Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais; Centro de Estudos Folclóricos. Folclore. Recife, 117, dez. 1981

TOCANTINS, Leandro. Santa Maria do Belém do Grão Pará. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963