sexta-feira, 9 de novembro de 2012

09 de Novembro, Dia de Carl Sagan.


FELIZ DIA DE CARL SAGAN

Dia 9 de novembro, O que algumas pessoas não sabem é que hoje é o aniversário de nascimento de Carl Sagan, que ao meu ver foi um dos maiores divulgadores da Ciência até hoje. Se vivo fosse, tio Carl estaria completando 76 anos. Feliz Aniversário, tio Carl. Feliz Carl Sagan’s Day.

(acesse a postagem completa, se estiver visualizando na página normalmente).



CARL EDWARD SAGAN, Astrônomo e Biólogo, nasceu em New York, Estados Unidos, em 9 de novembro de 1934. Em 1960, obteve o título de doutor pela Universidade de Chicago. Dedicou-se à pesquisa e à divulgação da Astronomia. Em 1968, foi para a Universidade de Cornell, onde dirigiu o Laboratório de Pesquisas Planetárias. 

Sagan interessava-se pela pesquisa de vida extraterrestre, razão pela qual desenvolveu trabalhos voltados à escuta de sinais vindos do espaço cósmico. Em entrevista à Revista Veja (27 de março de 1996), Carl Sagan diz que as antenas de rádio da Universidade da Califórnia em Berkeley captaram, ao longo de alguns anos, 30 milhões de sinais intrigantes, e que depois de minuciosa seleção sobraram 164 transmissões classificadas como “misteriosas”. Suas fontes não puderam ser identificadas, faltando para os cientistas aquilo que é essencial em ciência, que é a reprodução do fenômeno. “Sem que os sinais se repitam, não podemos considerá-los”, disse o astrônomo. 

Nesta linha de pesquisa, porém, sempre defendeu a necessidade da promoção do pensamento crítico e racional, sem misticismos. Chefiou as expedições das sondas americanas Mariner e Viking, pioneiras na exploração do sistema solar e foi incentivador dos grandes projetos de rastreamento do cosmos em busca de sinais de alienígenas, pois acreditava que as chances da humanidade captar algum sinal desta natureza aumentam a cada ano com o barateamento e o refinamento das tecnologias.

 Carl Sagan tinha uma habilidade enorme para comunicar idéias complexas de modo simples, o que lhe permitiu editar, dentre outros, o livro “Cosmos” e logo depois a série televisiva com o mesmo nome, voltada para o grande público. Foi o inspirador de muitos astrônomos jovens.

 Sagan era brilhante em suas idéias. Numa conferência, era capaz de discutir detalhes sobre moléculas orgânicas e a origem da vida, ou lançar uma discussão sobre política. Parecia entender de tudo. Representou um papel significativo no programa espacial americano desde o seu começo. Foi consultor e conselheiro da NASA desde os anos 50, trabalhou com os astronautas do Projeto Apollo antes de suas idas à Lua, como ainda participou dos projetos da Mariner, Viking, Voyager, e das missões da sonda Galileo.

 Fez estudos que ajudaram a entender os mistérios das altas temperaturas de Vênus, as mudanças sazonais de Marte e a névoa avermelhada de Titã (satélite de Saturno), que deve possuir moléculas orgânicas complexas. Por seu trabalho, recebeu numerosos prêmios de reconhecimento, inclusive o prêmio mais alto da Academia Nacional de Ciências. 

Foi eleito presidente da Divisão de Ciências da Sociedade Astronômica americana, presidente da Seção de Planetologia da União Geofísica americana e presidente da Seção de Astronomia da Associação americana para o avanço da ciência. Juntamente com o Astrônomo Frank Drake, foi também editor, por 12 anos, da revista Icarus. Foi co-fundador e presidente da Sociedade Planetária e ainda Cientista Visitante Distinto no Laboratório de jato-propulsão da NASA. 

Recebeu 22 títulos honoris causa de universidades americanas. Seu último livro foi “O Mundo Assombrado Pelos Demônios – a ciência vista como uma vela no escuro”, já lançado no Brasil, no qual demonstra nítida preocupação com o espaço cada vez maior ocupado, nos meios de comunicação, pelas explicações pseudo-científicas e místicas.

Carl Sagan morreu no dia 20 de dezembro de 1996 no Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, Estados Unidos, depois de uma batalha de 2 anos com grave doença na medula óssea. Ele já havia recebido um transplante de medula em abril de 1995. Sagan sempre será lembrado como um gigante da Astronomia mundial. O mundo da Astronomia ficou um pouco mais pobre, mas o céu, sem dúvida alguma, ganhou mais uma estrela. 


COM A PALAVRA, CARL SAGAN
SAGAN E A FÉ EM NOSSA ÉPOCA
De fato, a época mais excitante, satisfatória e estimulante para se estar vivo é justamente aquela em que se passa da ignorância ao conhecimento desses assuntos fundamentais; a época em que se começa na imaginação e se termina no entendimento. Em todos os 4 bilhões de anos da história da vida em nosso planeta, e nos 4 milhões de anos de história da família humana, só a uma geração cabe o privilégio de viver este momento único de transição: essa geração é a nossa.

SAGAN E A CIÊNCIA
A Ciência é antes um modo de pensar do que propriamente um conjunto de conhecimentos. 
A Ciência nos esclarece sobre as questões mais profundas das origens, naturezas e destinos – de nossa espécie, da vida, de nosso planeta, do Universo. Pela primeira vez na história humana somos capazes de adquirir uma verdadeira compreensão  desses temas. Toda cultura sobre a Terra tem tratado deles e valorizado a sua importância. Todos nós nos sentimos tolos, quando abordamos essas questões grandiosas. A longo prazo, a maior dádiva da Ciência talvez seja nos ensinar , de um modo ainda não superado por nenhum outro empenho humano, alguma coisa sobre nosso contexto cósmico, sobre o ponto do espaço e do tempo em que estamos, e sobre quem nós somos”.





SAGAN E AS PSEUDOCIÊNCIAS
"Eu afirmo que existe muito mais maravilha na Ciência do que na pseudociência. E, além disso, em qualquer medida que este termo tenha algum sentido, a Ciência tem a virtude adicional, que não é desprezível, de ser verdadeira".

"Caso se explicasse a Ciência ao indivíduo médio de uma maneira que fosse acessível e emocionante, não haveria espaço para a pseudociência. Mas há um tipo da Lei de Gresham que estabelece que na cultura popular a Ciência ruim tira o espaço da boa. E penso que a culpa disso é, em primeiro lugar, de nós da comunidade científica por não fazermos um trabalho melhor de popularização da Ciência, e, em segundo, dos media, que é nesse sentido quase uniformemente terrível. Todo jornal na América tem uma coluna diária de astrologia. Quantos têm uma coluna ao menos semanal de astronomia? E eu acredito que também é culpa do sistema educacional. Nós não ensinamos como pensar. Esta é uma falha muito séria que pode até, em um mundo equipado com 60.000 armas nucleares, comprometer o futuro da humanidade."

SAGAN E O CETICISMO (filosófico)
"Parece-me que é necessário um equilíbrio muito cuidadoso entre duas necessidades conflitantes: o escrutínio mais cético de todas as hipóteses que nos são oferecidas e ao mesmo tempo uma grande abertura a novas idéias. Obviamente que essas duas modalidades do pensamento estão em alguma tensão. Mas se você puder exercitar somente uma delas, qualquer que seja, você tem um problema sério.
Se você for somente cético, então nenhuma idéia nova chega até você. Você nunca aprende nada de novo. Você se transforma em uma velho excêntrico convencido de que o absurdo é que governa o mundo (evidentemente que há muitos dados para lhe dar apoio.). Mas, de quando em quando, talvez uma vez em cem casos, uma nova idéia acaba acertando, válida e maravilhosa. Se você estiver no hábito demasiado forte de ser cético com tudo, você não a perceberá ou se sentirá agredido, e de qualquer maneira estará barrando o caminho da compreensão e do progresso.
Por outro lado, se você estiver aberto a ponto de ser crédulo e não tiver um grama de ceticismo, então você não conseguirá distinguir as idéias úteis das sem valor. Se todas as idéias tiverem validade igual então você está perdido, porque então, me parece, nenhuma idéia tem validade alguma.
Algumas idéias são melhores do que outras. O aparato para distingui-las é uma ferramenta essencial para lidar com o mundo e especialmente com o futuro. E é precisamente a mistura dessas duas modalidades de pensamento que é central ao sucesso da Ciência.
Os cientistas realmente bons fazem ambas as coisas. Quando estão por sua própria conta, falando consigo mesmos, eles criam um monte de idéias novas e as criticam sem piedade. A maior parte das idéias nunca chega ao mundo exterior. Somente as idéias que passam por rigorosos filtros pessoais conseguem sair e são criticadas pelo restante da comunidade científica. Acontece às vezes que as idéias que são aceitas por todos acabam por se mostrar erradas, ou ao menos parcialmente erradas, ou ao menos substituídas por idéias mais gerais. E, se por um lado, naturalmente, existem algumas perdas pessoais -- vínculos emocionais a idéias que voccê mesmo ajudou a criar --, não obstante a ética coletiva é de que toda vez que uma idéia assim cai e é substituída por algo melhor, a Ciência beneficiou-se. Em Ciência, freqüentemente acontece que os cientistas digam, "Sabe, esse é um argumento bom mesmo; minha posição está errada", e então mudam mesmo de idéia e você nunca mais ouve aquela visão antiga. Isso acontece mesmo. Não tão freqüentemente como deveria, porque os cientistas são humanos e a mudança às vezes é dolorosa. Mas acontece todos os dias. Mas ninguém consegue lembrar qual foi a última vez em que algo assim aconteceu na política ou na religião. É muito raro que um senador, por exemplo, diga "esse é um bom argumento. Vou mudar minha afiliação política."  

SAGAN E A EDUCAÇÃO
As vezes fico admirado por ver como há muito mais capacidade e entusiasmo para a Ciência entre os jovens da escola primária que entre os estudantes universitários. Alguma coisa acontece nos anos de escola que lhes desestimula o interesse (e não se trata apenas da puberdade); devemos compreender e evitar esse perigoso desestímulo. 

"Eu acredito que parte do que impulsiona a Ciência é a sede de maravilhamento. É uma emoção muito poderosa. Todas as crianças a sentem. Em uma sala de aula de primeira série, todos a sentem; em uma sala de aula do último ano do ensino médio, quase ninguém a sente, ou sequer a reconhece. Algo acontece entre a primeira e a última séries, e não é só a puberdade. Não somente as escolas e a mídia não ensinam muito ceticismo, mas também há pouco incentivo dessa agitante sensação de maravilhamento. Ciência e pseudociência, ambos despertam esse sentimento. Popularizações pobres da Ciência estabelecem um nicho ecológico para a pseudociência."

SAGAN E A AMEAÇA NUCLEAR

Estamos numa encruzilhada da história humana. Nunca dantes houve um momento tão perigoso e tão promissor. Somos a primeira espécie a ter a evolução em nossas próprias mãos. Pela primeira vez possuímos os meios de promover nossa própria destruição, inadvertida ou intencional.

Entramos irrevogavelmente, creio eu, num caminho que nos levará às estrelas — a não ser que, por monstruosa capitulação ao egoísmo e à estupidez, venhamos a nos destruir antes disso.

SAGAN E A TENDENCIOSIDADE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Enquanto algumas doutrinas marginais recentes são amplamente promovidas, a discussão cética e a dissecação de suas falhas gritantes não são divulgadas.

SAGAN E OS DISCOS VOADORES, PASSADOS E PRESENTES

Examinamos uma série de artefatos, lendas e folclore de muitas culturas, e concluímos que não há um só caso que proporcione alguma evidência convincente de contatos com extraterrestres.

SAGAN E A COMUNICAÇÃO COM CIVILIZAÇÕES EXTRATERRESTRES

Através de toda a nossa história, temos meditado sobre as estrela e imaginado se a humanidade é de fato única ou se, em algum outro lugar na escuridão do céu noturno, haverá outros seres comtemplando e imaginando da mesma forma que nós, como colegas pensantes na imensidão do cosmo.

SAGAN E A CORAGEM INTELECTUAL

Meu ponto de vista pessoal é que, não importa quão inortodoxo é o raciocínio e quão desagradáveis as conclusões, não há desculpas para tentar eliminar novas idéias — muito menos que os cientistas o façam.

SAGAN E JORNADA NAS ESTRELAS

Tive o mesmo problema com Jornada nas Estrelas, que sei ter tido larga aceitação, e em relação ao qual alguns amigos solícitos me disseram que eu deveria ter uma visão alegórica e não literal. Quando, todavia, astronautas provindos da Terra se instalam num planeta distante e lá encontram seres humanos em meio a um conflito entre duas superpotências nucleares — que se intitulam Yangs [Ianques] Coms [comunistas], ou seus equivalentes fonéticos —, a descrença não pode deixar de vir à tona. Numa sociedade global terrestre, daqui a muitos séculos, os oficiais da nave são embaraçosamente anglo-americanos. Somente duas das 12 ou 15 naves interestelares têm nomes não ingleses, Kongo e Potenkin (Potemkin e não Aurora?). E a idéia de um cruzamento bem-sucedido entre um “vulcaniano” e uma terrestre simplesmente ignora tudo o que hoje sabemos sobre biologia molecular. (Como observei em outro lugar, tal cruzamento tem a mesma probabilidade de sucesso de um acasalamento entre um homem e uma rosa).

SAGAN E A FICÇÃO CIENTÍFICA

Acredito que eu tenha hoje a mesma sede de maravilhas dos meus 10 anos de idade. Mas desde então aprendi um pouco a respeito do modo como o mundo realmente se ajusta. Acho que a ficção científica me levou à Ciência. Considero a Ciência mais sutil, mais intrincada e mais impressionante do que grande parte da ficção científica.

A interligação entre a Ciência e a ficção científica por vezes produz resultados curiosos. Nem sempre fica claro se é a vida que imita a arte ou vice-versa. 

Não receio em afirmar que, se sobrevivermos, a ficção científica terá dado uma contribuição vital para a continuidade e a evolução de nossa civilização.

SAGAN E A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

A Ciência real pode tornar a ficção tão excitante como a ciência espúria, e penso que é importante aproveitar toda a oportunidade de divulgar as idéias da Ciência numa civilização que, ao mesmo tempo em que se baseia nela, quase nada faz para torná-la compreendida. 

É um desafio supremo para o divulgador da Ciência deixar bem clara a história real e tortuosa das grandes descobertas, bem como os equívocos e, por vezes, a recusa obstinada de seus profissionais a tomar outro caminho. Muitos textos escolares, talvez a maioria dos livros didáticos científicos, são levianos nesse ponto. É muitíssimo mais importante apresentar de modo atraente a sabedoria destilada durante séculos de interrogação paciente e coletiva da Natureza do que detalhar o confuso mecanismo de destilação. O método da Ciência, por mais enfadonho e ranzinza que pareça, é muito mais importante do que as descobertas dela”.

SAGAN E A BELEZA DO UNIVERSO

Se olharmos para qualquer ponto do universo, encontraremos algo de estupendo. Antes de mais nada, encontraremos um universo extremamente belo, construído de maneira sutil e intrincada.

SAGAN E O AMOR À VIDA

A espécie humana precisará crescer muito, deixar sua infância para trás. Talvez nossos descendentes nesses tempos remotos olhem para trás, para a longa e errante jornada empreendida pela raça humana a partir de suas obscuras origens no distante planeta Terra , e, relembrando nossas histórias pessoais e coletivas, nosso romance com a Ciência e a religião, tenham uma visão plena de clareza, compreensão e amor.

BIOGRAFIA RESUMIDA DE CARL SAGAN
  • Carl Edward Sagan nasceu em 9 de novembro de 1934, filho Rachel e Samuel Sagan (um alfaiate russo, emigrante da União Soviética), em New York, nos Estados Unidos.
  • Aos 12 anos teve seu interesse irreversivelmente atraído pela astronomia.
  • Em 1954 formou-se em física na Universidade de Chicago, onde, em 1955 bacharelou-se, em 1956 completou o mestrado e em 1960 completou também seu Doutorado em Astronomia e Astrofísica.
  • Entre 1960 e 1968 Carl Sagan lecionou em algumas das principais universidades norte-americanas: Harvard, Stanford e Cornell.
  • Nessa última, onde lecionou a partir de 1968, fundou e dirigiu o Laboratório de Estudos Planetários.
  • Foi colaborador da NASA, como consultor e conselheiro, desde os anos 50, e em diversos projetos de grande envergadura, tendo participado de forma decisiva na preparação e planejamento das missões Apolo (à Lua), Mariner e Viking (à Marte), Voyager (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) e Galileo.
  • Junto com outros pesquisadores e nomes de peso no cenário artístico americano (Paul Newman, etc), fundou e dirigiu a The Planetary Society.
  • Recebeu 22 títulos de honra concedidos por instituições de ensino superior dos Estados Unidos.
  • Sagan teve participação decisiva na explicação do efeito estufa na atmosfera de Vênus. Também ajudou a explicar as mudanças sazonais na atmosfera de Marte e o efeito de moléculas orgânicas complexas na atmosfera de Titan, satélite de Saturno.
  • Além de inúmeros artigos em boletins e revistas especializadas, em revistas de divulgação e em revistas para o grande público, Sagan publicou vários livros. Alguns técnicos e outros de divulgação científica.
  • Recebeu o prêmio Pulitzer de literatura, em 1978, por seu fascinante livro, Os Dragões do Éden.  
  • Recebeu  3 prêmios Emmy  (o “Oscar” da TV) por sua série para TV, Cosmos. Estima-se que Cosmos tenha sido assistida por mais de 500 milhões de pessoas em mais de 60 países.  Seu livro, de mesmo nome, permaneceu por mais de 70 semanas na lista dos mais vendidos do New York Times.
  • Em seus últimos anos, vivia em Ithaca, New York.
  • Com 62 anos, foi acometido de uma forte pneumonia, adquirida devido a fragilização causada em seu organismo pela mielodisplasia — doença da medula, perniciosa como o câncer, que o acompanhava há cerca de 2 anos.
  • Em 20 de dezembro de 1996, Carl Sagan deixou finalmente seu planeta natal. Deixou-nos e rumou, sozinho, para as estrelas.  










Última entrevista com Carl Sagan:











Entrevista com Carl Sagan Entrevista de Carl Sagan à revista Veja em abril de 1982


Entrevista: CARL SAGAN

A certeza me aborrece

O autor da série de televisão "Cosmos" prefere
os excitantes mistérios do Universo às verdades
que jazem em livros empoeirados


Selma Santa Cruz

Quando tinha 8 anos de idade, Carl Sagan brincava nos terrenos baldios do bairro do Brooklin, em Nova York, onde nasceu, e se imaginava um herói. Olhos voltados para o céu, sonhava repetir as façanhas do aventureiro John Carter, o personagem de Edgar Rice Burroughs que pousava em Marte e lá descobria lindas princesas, guerreiros impiedosos e animais de 3 metros de altura. Aos 10 anos, fascinado pelas luzes que via brilhar no firmamento, Sagan foi à livraria da esquina e pediu um livro sobre estrelas. Deram-lhe um, com fotos de famosas atrizes de Hollywood. Hoje, com 46 anos, tornou-se ele próprio um astro de televisão com sua série "Cosmos", uma fascinante e didática viagem pelos mistérios do Universo, cujo primeiro de treze capítulos estreou neste domingo no Brasil, transmitido pela TV Globo, depois de vista por dezenas de milhões de telespectadores em todo o mundo.

Astrofísico, professor de Astronomia e Ciências Espaciais na Cornell University, no Estado de Nova York, autor de doze livros, entre eles "Cosmos", produzido paralelamente à série de TV, o cientista Sagan revelou-se uma espécie de mago da ciência, um envolvente e acessível expositor de temas intrincados, nessa série que lhe custou três anos de trabalho exaustivo, devorou um orçamento de 8,5 milhões de dólares bancados por três emissoras de TV* e foi filmada em doze países diferentes. Ao longo de seus treze capítulos - a Globo vai apresentar um capítulo por mês -, "Cosmos" presenteia o espectador com setenta seqüências com efeitos especiais que simulam à perfeição as aventuras das viagens interplanetárias das melhores super-produções de Hollywood. Mais importante que isso, traça um painel da saga humana num universo interpretado à luz da ciência e da emoção. Em Cornell, Sagan deu esta entrevista a VEJA:

VEJA As civilizações antigas eram mais fascinadas pelo Universo que o homem moderno. Não é um paradoxo?

SAGAN - Os antigos viviam a maior parte do tempo ao ar livre. Nós vivemos confinados entre concreto, vidros e metais - e não olhamos com freqüência para o céu. Tornamo-nos alienados da natureza, e isso é extremamente perigoso.

VEJA Então, qual a razão do sucesso do livro e da série "Cosmos" para a televisão?

SAGAN - Especular sobre o Universo é um traço humano fundamental, sempre foi. Vivemos um período em que as interrogações surgidas da especulação têm respostas com rigor científico. Isso é fascinante do ponto de vista intelectual e também o é do ponto de vista emocional, porque se relaciona com o que somos, de onde viemos e para onde vamos. Considero-me um privilegiado por espalhar essa mensagem.

VEJA É sempre possível tornar a informação científica acessível e atraente, mesmo quando se refere a questões sabidamente complicadas?

SAGAN - É do interesse do cientista popularizar a ciência, mas deveria ser também um prazer. A maioria dos cientistas escolheu essa profissão porque ama a ciência. Um poeta geralmente gosta de recitar seus poemas - e creio que o mesmo deve ocorrer com um cientista. Mas, desde os tempos de Pitágoras, há cientistas que consideram a ciência algo destinado às elites. Essa é uma noção perigosa, em grande parte responsável pelo desinteresse popular. Ciência é um prazer, uma alegria. Além do mais, sabemos que a maior parte da pesquisa científica é financiada por verbas públicas. Por isso, ela tem o dever de voltar ao público não apenas em forma de benefício mas também em forma de conhecimentos.

VEJA No entanto, o senhor se opôs ao programa Apollo, que levou o homem à Lua. Por quê?

SAGAN - O programa Apollo não era um programa científico, mas político. Foi a resposta americana ao vôo orbital do soviético Iuri Gagarin, em 12 de abril de 1961, e ao fiasco da tentativa de invasão da baía dos Porcos, em Cuba, ocorrida cinco dias depois. Kennedy disse que queria pôr um homem na Lua e fazê-lo retornar com segurança, até o fim da década. Ele não disse que queria entender a origem da Lua até o fim da década. Tanto isso é verdade que o primeiro cientista a pisar na Lua foi também o último. E mais: o programa foi cancelado exatamente quando começou a fazer progressos científicos. Por isso - e pode parecer paradoxal - fui contra o início do programa e contra o seu fim. No início, porque era contra os vôos tripulados, muitíssimo mais dispendiosos. Sai incrivelmente mais barato enviar uma nave não tripulada para se obter os mesmos resultados científicos.

VEJA O governo americano tem reduzido sistematicamente as verbas para programas espaciais. O senhor vê nisso um acerto, tendo em vista que há problemas dramáticos a resolver aqui mesmo na superfície do planeta?

SAGAN - Os governos devem ter metas de curto e de longo prazo. Se nos preocuparmos apenas com as de curto prazo, estaremos sendo tolos. Essa redução de verbas é um erro e nos criará dificuldades para resolver os problemas que surgirão no começo do século XXI. Isso é particularmente importante para países como o Brasil, que terá um papel cada vez mais importante na cena internacional.

VEJA O senhor tem uma visão otimista da capacidade da ciência para resolver os problemas da vida. Ao mesmo tempo, costuma alertar para a tendência à autodestruição das civilizações que atingem certo grau de evolução. Quem vencerá?

SAGAN - Estamos numa fase crítica porque, pela primeira vez, dispomos de meios para a destruição da espécie humana. Veja bem, "ciência" é apenas uma palavra latina que quer dizer "conhecimento". A vida no planeta vai depender muito mais, nas próximas décadas, da política que da ciência. São pouquíssimos os países que podem tomar decisões sem afetar os demais. Veja, por exemplo, a questão do desflorestamento da bacia amazônica. Não se trata de um problema apenas brasileiro, mas tem implicações globais - e não necessariamente negativas. Ha indícios de que o desflorestamento pode ter aspectos positivos, como um maior resfriamento do planeta, o que eventualmente compensaria o aquecimento provocado pela queima de combustíveis fósseis.

VEJA O senhor considera a ameaça nuclear mais séria para a sobrevivência do planeta que o lento processo de alteração do meio ambiente?

SAGAN - O que mais preocupa, sem dúvida, é a ameaça de uma guerra nuclear. Neste momento, 15 000 ogivas nucleares estão direcionadas para atacar cidades da Europa Ocidental, da União Soviética e dos Estados Unidos. Uma única dessas armas tem o potencial de destruição de todas as bombas detonadas durante a II Guerra Mundial. Estamos literalmente sentados sobre um barril de pólvora.

VEJA - O senhor é criticado por outros cientistas quando defende a possibilidade de vida em outros planetas. A descoberta da inexistência de micróbios em Marte alterou suas convicções?

SAGAN - Essa questão é extremamente importante. Estamos sozinhos no Universo ou há outros seres? Existem micróbios em outros mundos? E vida inteligente? Não há respostas fáceis, não basta pousar uma vez em Marte para se saber se existem por lá uns seres esverdeados ou não. Como poderíamos, hoje, concluir que não há vida no resto do Universo, se existem 400 bilhões de sóis apenas na Via-Láctea, a galáxia em que está a Terra, e se há pelo menos mais 100 bilhões de galáxias além da nossa? A química que produz a vida é reproduzida facilmente por todo o cosmos. Por que então seríamos tão privilegiados? O Universo é três vezes mais velho que a Terra; deve haver, portanto, lugares em que houve mais tempo para a evolução biológica que em nosso planeta. Parece improvável que sejamos os únicos seres inteligentes. É possível, mas é improvável.

VEJA Por que nem todos concordam que a exobiologia - que pesquisa a vida extraterrestre - seja uma ciência?

SAGAN - É uma ciência e não uma especulação porque podemos fazer algo concreto para obter respostas. Podemos enviar espaçonaves a outros mundos e mesmo em Marte creio que não está totalmente excluída a possibilidade de existir vida microbiológica. Também podemos usar imensos radiotelescópios para captar sons e, eventualmente, mensagens de outros mundos. Mesmo que essa busca, por muito tempo, e por vários mundos, leve à conclusão de que não há vida, não teremos perdido nosso tempo. Teremos, pelo contrário, descoberto algo muito importante: que a vida, como a conhecemos, é raríssima, talvez única. Isto, em si, é uma resposta preciosa. E, afinal, se não encontrarmos sinais de vida no Universo é ainda possível supor que civilizações inteligentes se tenham destruído antes de chegar à capacidade tecnológica de comunicação interplanetária - algo como o que nos preocupa no momento em relação à Terra.

VEJA As pessoas comuns desconfiam dos cientistas?

SAGAN - A ciência gerou quase todas as facilidades da vida moderna e melhorou consideravelmente a condição da existência humana, mas criou também os instrumentos para a destruição em massa. Desde criança, vemos na figura do cientista aquele estereótipo do maluco e é fácil culpá-lo pelo desenvolvimento de armas atômicas. Mas o emprego dessas armas está nas mãos dos políticos e dos militares, e a eles devemos dirigir nossas preocupações. Além disso, a ciência lida com o mundo como ele é e não como gostaríamos que fosse. Um exemplo desse conflito é o debate entre o evolucionismo darwiniano e a teoria bíblica da criação. É cômoda a idéia de que o mundo foi criado há 6 000 anos por um deus benigno e que tudo se passou exatamente como descreve o livro do Gênesis. Ocorre que os fatos não correspondem a essa versão e as pessoas muito apegadas à Bíblia têm uma razão adicional para desconfiar da ciência. Temos que lidar com o mundo real e não com uma história velha que era ciência para os babilônios, não para nós.

VEJA Esse conflito entre religião e ciência é incontornável?

SAGAN - Algumas religiões são mais resistentes que outras às descobertas científicas. Nada exclui a possibilidade de o Universo ter sido criado há 15 bilhões de anos por alguma divindade que se aposentou desde então, já que não há evidência de intervenção divina na história mais recente. A idéia de um Deus remoto, passivo, é certamente possível, não deve ser excluída. Mas o papel da religião não é fazer ciência, é esclarecer as relações entre os seres humanos, ajudar-nos a entender nossas obrigações morais. Muitos dos escritos religiosos são literatura do mais alto nível e merecem ser estudados sob esse prisma. Não há conflito entre religião e ciência, se cada um fica em sua área.

VEJA O senhor adota um tom quase religioso quando fala dos mistérios do Universo. Como encara esses mistérios que a ciência não explica?

SAGAN - O Universo é algo que gera reverência, respeito. Em termos de tempo e espaço, sua escala torna a existência humana microscópica. É fascinante que as leis da natureza sejam as mesmas em todo o cosmos. A lei da gravidade, por exemplo, funciona aqui como a 1 bilhão de anos-luz de distância. Olhemos para cada detalhe, mínimo que seja, como para uma folha, e veremos que sua perfeição e harmonia são deslumbrantes. Creio que a folha resulta do processo de seleção natural, indicado por Darwin, ao longo de quase bilhões de anos de evolução da vida na Terra. Se olhamos essa mesma folha através de um microscópio, ficamos ainda mais maravilhados. Se alguém quer chamar esse sentimento de religioso, isso não me incomoda.

VEJA O senhor acredita que o homem um dia poderá viver fora da Terra?

SAGAN - Sim, se não provocarmos a destruição do planeta nos próximos cinqüenta ou 100 anos. No futuro poderemos construir um novo mundo para viver, feito de material coletado no próprio espaço - um novo planeta que orbitasse em torno do Sol, por exemplo. Os espíritos irrequietos sempre tiveram, ao longo da história, a necessidade de abrir novas fronteiras. Dentro de cinqüenta anos, as migrações interplanetárias poderão ser tecnologicamente realizáveis. Também seria tecnologicamente possível alterar o ambiente de planetas existentes para que pudessem acomodar a vida humana.

VEJA Com a série "Cosmos", o senhor se tornou uma celebridade. Como um cientista convive com isso?

SAGAN - É muito difícil lidar com a fama e só agora entendo por que jovens de 20 anos entram em colapso com ela. Já que aconteceu comigo, tanto melhor que seja agora, e não quando eu era mais jovem.

VEJA Até que ponto a série de televisão criou interesse popular pela ciência e pelos mistérios do Universo?

SAGAN - Até o final de 1983, a série terá sido vista por 150 milhões de pessoas em países tão diversos como Zâmbia, Hungria, Arábia Saudita, Romênia e Brasil. O livro "Cosmos" está na lista dos dez mais vendidos em dezenas de países e, só nos Estados Unidos, vendeu 250 000 exemplares. Já fornecemos material de projeção para 450 planetários em todo o mundo. Mas o que mais me impressiona são as cartas: já recebi mais de 10 000.

VEJA O senhor sentiu falta do trabalho de pesquisa científica enquanto estava ocupado com o projeto Cosmos?

SAGAN - Tirei dois anos e meio de licença da Cornell University para trabalhar no projeto Cosmos e também no projeto Voyager, da NASA, para o qual fiz análises de imagens enviadas de Júpiter e Saturno, razão pela qual não fiquei totalmente afastado da pesquisa. Embora goste muito de popularizar a ciência, gosto mais ainda de fazer ciência e estou satisfeito por voltar a Cornell, aos laboratórios e às salas de aula. Sinto que tenho de novo os pés no chão, depois de tanto tempo flutuando em Hollywood.

VEJA De volta à pesquisa, o senhor sente alguma frustração pelo fato de que, na Astronomia, quanto mais se descobre mais resta a descobrir?

SAGAN - De modo algum. Isso é muito mais excitante que aprender tudo sobre um assunto e colocar o conhecimento de lado, num livro empoeirado. O mistério me excita, a certeza me aborrece. Em ciência, cada avanço importante levanta mais questões que as que resolve. As duas últimas décadas foram extremamente ricas: examinamos vários novos mundos de perto. Voamos próximo de alguns e pousamos em três - a Lua, Marte e Vênus. Isso é um salto inimaginável na história humana. Nossos antepassados olhavam para os planetas como para pontos de luz. Nós os conhecemos como mundos, lugares para os quais podemos viajar.

VEJA O senhor entende que a exploração do espaço, nas duas últimas décadas, já deu frutos importantes, ou eles só aparecerão no futuro?

SAGAN - Já fizemos muitas conquistas. Os satélites meteorológicos representam uma enorme economia ao anunciar tempestades e furacões. Os satélites de comunicações, que permitem a ligação telefônica e a transmissão de imagens de televisão entre os continentes, são um avanço extraordinário. Os satélites de reconhecimento militar têm um efeito altamente estabilizador na política internacional, pois com eles é praticamente impossível uma potência surpreender a outra - o que diminui a possibilidade de guerra.

VEJA Que projetos ocuparão o tempo do senhor daqui para a frente?

SAGAN - Sempre faço muitas coisas ao mesmo tempo porque uma atividade relaxa a tensão da outra. Continuo a analisar o material das missões Voyager a Júpiter e Saturno. Estou também envolvido com programas de captação de sinais de outras civilizações através de radiotelescópios. E começo a escrever um novo livro, "Contact", e um roteiro com o mesmo nome para um filme que será rodado pela Columbia Pictures. Trata-se de um trabalho de ficção, que só pretendo concluir daqui a dois anos.

VEJA Como será essa história?

SAGAN - É um romance de idéias, no qual pretendo mostrar que o cientista é uma pessoa comum. A história começa com o recebimento de uma mensagem complexa, enviada por outra civilização no espaço, e narra os esforços para decodificá-la. Surgem reações de áreas políticas e religiosas. Não posso dar mais detalhes. O resto é mistério.

VEJA Que áreas da ciência o senhor acha que evoluirão mais sensivelmente nos próximos anos?

SAGAN - Parece claro que há um potencial enorme nas áreas da Biologia Molecular, da Engenharia Genética, da Astronomia e da Astrofísica. É importante que a ciência avance em muitos campos ao mesmo tempo porque ela, como a natureza, é um todo. Dividimos o estudo em disciplinas por conveniência, mas o entendimento do Universo pressupõe avanços em todas as direções do conhecimento humano.

*A KCET, emissora educativa de Los Angeles, a BBC de Londres e a Polytel International, da Alemanha Ocidental.
 

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